28 setembro, 2005

Não há hipótesessssss... Cuidado com o cão

Era castanha rugosa e peluda. Protuberante, como que implorando 'arranca-me daqui'. Resisti pois claro, não poderia nunca pôr a mão no pescoço daquele ser vivo, sob pena de vir a ser brutalmente espancado, espezinhado, esfregado pelo chão e depois de já ter a boca ensanguentada, os dentes rangendo com os pequenos grãos de pedra e terra, viria a ser arremessado contra uma qualquer parede, de forma a ficar pronto para que o próximo autocarro me pudesse esmagar, sem com isso, provocar muito incómodo quer aos passageiros, quer ao condutor. Afinal de contas, era apenas uma ruga, ou um sinal, exageradamente grande e meticulosamente 'espetada/o' no pescoço do carteiro.

Acordei o pesadelo tinha terminado, fui salvo pelos sons estranhos produzidos por outros seres viventes que partilham o chão e paredes a que chamamos casa. Depois de fazer o que toda a gente faz quando acorda (maldizer a noite que foi tão pequena, e desejar uma diarreia monumental ao patrão), encaminhei-me escada abaixo, neste meu percurso vespertino e enquanto lutava desenfreadamente com os restos mortais de uma ramela (quem souber como isto se escreve que mo diga) que, teimosamente resistia aos meus violentos puxões, enraizada que estava até ao cerebrelo, deparei-me com a mulher da limpeza ou pelo menos é isso que lhe chamam.
Num êxtase momentâneo o tempo parou, a cena pausou, só os meus olhos ficaram imunes aquela paragem, o espectáculo era dantesco... o pedaço de tecido que envolvia o corpo daquele estranho ser era polvilhado de minúsculas flores todas da mesma cor, sobre um fundo antes branco aconchegavam-se milhares de flor(z)inhas de um azul que não existe, algumas (muitas delas) já não tinham cor própria.
Desviei o olhar e vi uma curva acentuada que terminava num emarahado de fios entrelaçados uns nos outros de forma absolutamente desordenada, mas haja esperança, estavam todos colados por uma qualquer substância viscosa que tenazmente os segurava uns aos outros dando-lhes um aspecto luzidio e uniforme.
Num dos lados dessa estranha superficie existia um orifício, uns estranhos filamentos de lá de dentro brotavam, podia-se vislumbrar em tom acastanhado algo em tudo semelhante a 'massa consistente', qual terra num vaso aquela massa castanha proporcionava aos estranhos filamentos um ponto de firmeza e estabilidade e também o seu sustento.
Em torno deste orifício existia uma matéria enrrugada e carnuda, polvilhada por uma espécie de escamas esbranquiçadas; não tinha uma forma definida, mas creio que era habitada por uns seres minúsculos que alegres pulavam de um lado para o outro indo de quando em vez dar um 'giro' pelos fios entrelaçados antes mencionados.

trim trim trim (acreditem que não é este o som do meu telele) tocou o meu telemóvel, a pausa terminara, o êxtase acabara, o ser vivo tornara a mover-se, lentamente ergueu a sua carranca do chão, olhou para mim e num som gutural e abimbalhado proferiu algo parecido com 'bom-dia'. Por uma questão de educação, não respondi, a minha mãe sempre me ensinou a não falar com estranhos (haverá coisa mais estranha???).

Finalmente cheguei ao ùltimo lance de escadas e qual não é o meu espanto, quando dou de caras (isto é a minha cara com as costas dele) com o pior dos meus pesadelos era o carteiro que estava dentro das escadas a distribuír o correio.

2 comentários:

david disse...

"Uma ramela (quem souber como isto se escreve que mo diga) que, teimosamente resistia aos meus violentos puxões, enraizada que estava até ao cerebrelo...", isto é uma autêntica pérola da literatura.
Também eu, só com a descrição, tive medo da senhora que, enquanto trauteia melodias de Tony Carreira, limpa as divisões do habitat de h22o.
Coragem.
Ainda agora estou maravilhado com a descrição da ramela (remela?).
Fantástico!

david disse...

Da minha parte...por mim...pá, na boa...até escrevo...mas o que é certo é que continuo sem fazer a mínima ideia de quem é "h22o" e, por isso, mantenho-me assim, na minha humilde ignorância.
Para aqueles que só agora entraram neste blog e vêem este comentário...pá, continuem sem perceber, eu não vos explico!